sábado, 24 de agosto de 2013

Dieta sem glúten: experts comentam se vale a pena restringir o consumo dessa proteína

A onda de restringir o consumo de glúten de certos cereais ou até excluí-la do cardápio para emagrecer e ser mais saudável gera polêmica entre os especialistas


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 Foto: Thinkstock
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Mais de 1,5 milhão de americanos aderiram à dieta sem glúten, segundo estudo da renomada Clínica Mayo. Detalhe: apenas 20% fizeram isso por indicação médica, para tratar doenças. A maioria mudou seus hábitos como estratégia para ter mais energia e bem-estar. Ocorre que, sob a acusação de inimigo do intestino, o glúten andou caindo em desgraça nos últimos anos - e os produtos que exibem na embalagem o aviso de que são livres dele adquiriram o status de comida mais saudável. Essa onda chegou ao Brasil, onde se popularizou não só pela alegação de que melhora a saúde como pela crença de que emagrece. Mas será que a iniciativa traz mesmo benefício para qualquer pessoa?
"Não há comprovação científica de que o glúten faz mal para todo mundo nem de que sua retirada do cardápio traga os ganhos prometidos", responde o nutricionista Thiago Sacchetto, mestre em ciências da saúde e conselheiro efetivo do Conselho Regional de Nutrição 3ª Região, responsável pelos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Diante do modismo, a entidade emitiu no ano passado um parecer contrário à restrição indiscriminada da proteína, encontrada no trigo, na cevada, no centeio, no malte, em vários tipos de aveia e nos alimentos derivados desses cereais - massas, pães, biscoitos, bolos, tortas, pizza, cerveja, uísque - e adicionada pela indústria a molhos, temperos, embutidos, barras, medicamentos e batons (para deixá-los mais viscosos). O documento aconselha a eliminação do glúten somente se houver diagnóstico de enfermidades decorrentes do consumo. É o caso da alergia ao trigo, que surge na infância e pode regredir na idade adulta. Quem tem responde às proteínas contidas em cereais (o glúten é uma delas) com erupções na pele, desconforto intestinal, espirros e até choque anafilático.
Outra condição é a doença celíaca, em que as células imunológicas reagem ao glúten causando uma inflamação que danifica a mucosa intestinal. "Os sintomas são inchaço no abdome, diarreia volumosa e dificuldade para absorver os nutrientes dos alimentos, o que pode levar à desnutrição grave", informa a imunologista Ana Paula Moschione Castro, diretora da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia. E os celíacos têm maior risco de osteoporose, anemia, alterações no peso, fadiga, dores musculares, problemas articulares, erupções na pele, distúrbios neurológicos e infertilidade. Um exame de sangue identifica a doença, mas, como nem sempre os sintomas são intensos, a pessoa pode demorar anos para ir ao médico. "A cada cinco ou seis doentes, só um tem o quadro detectado", estima o gastroenterologista Joseph Murray, coautor do estudo da Clínica Mayo. Para o celíaco, riscar o glúten evita todas essas complicações.
Há, ainda, a sensibilidade (ou intolerância) ao glúten, quadro pouco reconhecido e tratado, que pode ser seis vezes mais frequente do que se imagina. "A intolerância ao glúten ainda é um capítulo nebuloso", diz Ana Paula. "Pode haver inchaço abdominal, gases, crises inexplicáveis de diarreia ou má digestão e sensação de que o intestino não funciona bem." O paciente, apesar de o teste para a doença celíaca dar resultado negativo, relata alívio de sintomas após reduzir o consumo de glúten. E as melhoras aí não são só digestivas mas respiratórias (rinite e sinusite), articulares (dores crônicas), de memória e outras funções cognitivas. Então, embora não seja unânime, a dieta pode ser indicada nesses casos. Segundo a farmacêutica e nutricionista funcional Lucyanna Kalluf, do Instituto de Prevenção Personalizada, em São Paulo, o estilo de vida atual, com exposição a agrotóxicos, contato frequente com antibióticos e consumo excessivo de comida industrializada, aumenta os riscos de se tornar intolerante, mas ela acredita que restringir o glúten evitaria problemas futuros (ideia que não é consenso entre os especialistas!). "A dieta desinflama, reduz o inchaço, favorece a digestão e acelera o metabolismo. E emagrecer é consequência."

Mais saúde sem mágica
Um estudo recente sugere que o glúten pode dificultar a utilização pelo corpo da gordura - gerando acúmulo. A nutricionista e doutora em bioquímica Fabíola Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais, comparou dois grupos de camundongo que receberam alimentação gordurosa de igual valor calórico, mas um foi privado do glúten. Oito semanas depois, esse grupo tinha menor porcentagem de gordura corporal, menos ganho de peso e taxas mais baixas de açúcar do que aquele que havia ingerido a proteína. Mas a pesquisadora acha prematuro recomendar a dieta sem glúten para emagrecer: "Primeiro precisamos confirmar os resultados em humanos. Ainda que fique comprovado que o glúten facilita ou acelera a perda de peso, dificilmente ele resolverá o problema sozinho. Tem que ter dieta e exercícios físicos. Não existe mágica!"
Portanto, antes de cortá-lo, procure um médico ou nutricionista. De acordo com Thiago Sacchetto, essa proteína não é essencial, mas, ao fazer a restrição por conta própria, sua dieta pode ficar pobre em nutrientes. Pior: há o risco de abusar dos substitutos - amido de milho, fubá, fécula de batata, farinha de arroz, farinha de milho, farinha de mandioca, farinha de banana, polvilho, tapioca, quinua, amaranto - e, assim, acabar exagerando nas massas e em outros pratos calóricos em vez de optar pelos alimentos naturalmente isentos de glúten e saudáveis, como frutas e hortaliças, feijões, nozes, peixes e carnes magras. Além disso, como o glúten está presente numa infinidade de comidas, a exclusão talvez dificulte o convívio social e pese no bolso. Uma pesquisa com 443 alimentos em cinco capitais brasileiras apurou que os produtos sem glúten eram, em média, 138% mais caros. "Quem quer ter mais saúde e não apresenta sintoma de doença relacionada a ele não precisa tirar o glúten", decreta o nutricionista. "Mais importante é investir numa dieta balanceada."

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